O Relatório Agenda para Ação: Transição para Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis no Brasil realizado pelo Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), publicado em 2022 tem como objetivos apresentar recomendações de mudanças e como realizá-las para transformar a maneira como os alimentos são produzidos, distribuídos, ofertados e consumidos. Esta publicação é baseada essencialmente no estudo As cinco dimensões dos sistemas alimentares no Brasil: uma revisão de literatura, também desenvolvido pelo IDEC (2021).
O Relatório é organizado em cinco dimensões: negócios, abastecimento e demanda, ecologia, saúde e governança. Para cada uma delas são apresentados os principais desafios e suas consequências, além de recomendações para transição e possíveis caminhos de ação. Ademais, apresenta diversas ações das quais o IDEC atua na temática. A seguir apresentamos brevemente cada uma destas dimensões.
A dimensão Negócios traz como tema central que “A comoditização dos alimentos para exportação enfraquece o abastecimento interno”, em um contexto de produção de alimentos reconhecidos como commodities, ou seja, variedades agrícolas que têm seu preço definido pelo mercado internacional e baseada em cadeias longas de abastecimento. Nesta realidade, os alimentos são considerados como uma simples mercadoria e não é problematizada a importância da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). Dentre as principais recomendações para transição estão legislações que priorizem as necessidades de abastecimento do mercado interno e a regulação dos mercados alimentares pelo Estado.
Já a dimensão Abastecimento e Demanda foca em como “A desigualdade no acesso e oferta de alimentos não viabiliza uma alimentação saudável”, criticando especialmente os ambientes alimentares indutores a escolhas não saudáveis e insustentáveis. Nesta dimensão, também é chamada a atenção para a fragilização das instituições comprometidas com o DHAA no país e o desmonte de políticas públicas desta agenda nos últimos anos. Apresenta como consequência a maior vulnerabilidade tanto de agricultores familiares quanto de populações urbanas e rurais. São destacados como caminhos para a transição para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis a necessidade de políticas públicas que influenciam os padrões alimentares, especialmente por meio dos contextos socioeconômicos, tais como poder de compra, educação e cultura. Ou seja, reforça a importância da responsabilização do Estado pelo direito à alimentação adequada.
A dimensão Ecológica menciona como “ A produção em larga escala, ligada ao uso intensivo de agrotóxicos, monocultura e pecuária extensiva, colabora diretamente para as mudanças climáticas”. As pautas principais desta dimensão são o uso predatório de recursos naturais e os altos níveis de poluição, com consequente impacto negativo nas mudanças climáticas. Vale lembrar que um dos setores mais afetados por estas mudanças climáticas é a própria agricultura. Por isso o IDEC apresenta como parte das soluções a transição para sistemas agroecológicos de produção com práticas de baixo impacto ambiental e sanitário, contribuindo para a SAN e para a mitigação das mudanças climáticas.
A quarta dimensão é a Saúde, aponta que “Os sistemas alimentares hegemônicos que privilegiam a monocultura e o consumo de alimentos ultraprocessados estão adoecendo a população”. Dentre o contexto apresentado, o relatório indica que as escolhas alimentares dependem de diversos fatores tais como ambientes alimentares, ambientes físicos, econômicos, políticos e socioculturais. Para tal, apresenta o fato de a publicidade de alimentos ser uma incentivadora do consumo de alimentos ultraprocessados, e que fazem mal à saúde humana e ambiental. Apesar de o Brasil ser referência pelo Guia Alimentar para a População Brasileira, o Relatório aponta que ainda é necessário uma agenda regulatória para frear publicidade persuasiva e garantir o DHAA com a qualificação dos ambientes alimentares.
Finalmente a dimensão Governança, a qual é altamente complexa e dinâmica, conta com o seguinte mote “Recentes retrocessos nas políticas públicas brasileiras voltadas à segurança alimentar e nutricional e o desmonte do Sistema Nacional de SAN (SISAN) em nível nacional minam a transição para sistemas alimentares saudáveis”. Aqui, a governança é compreendida tanto como um conjunto de regras e marcos legais institucionalizados mas também como a forma como se dão os processos que influenciam e regem os diferentes atores dos sistemas alimentares. Assim como na dimensão Saúde, o Brasil é uma referência internacional no tema de governança dos sistemas alimentares especialmente pelo SISAN, que inclui em seus processos uma abordagem multiescalar, governança participativa e viabilização do controle social do Estado. No entanto, os últimos anos foram marcados pelo retrocesso político nesta agenda, com redução e/ou extinção de recursos, pastas e órgãos essenciais para a manutenção deste sistema de governança. Aqui, as recomendações do relatório são bastante claras: é preciso priorizar uma abordagem descentralizada de poder, além de dedicar especial atenção para possíveis "privatizações" de soluções públicas e disputas entre interesses da sociedade e de grandes atores do mercado.
Como pode ser visto, diversas das recomendações e caminhos propostos são pautados por políticas públicas alimentares. O Instituto Comida do Amanhã acredita que estes desafios dos sistemas alimentares precisam ser enfrentados com urgência, e uma forma de endereçá-los é apostar no papel das cidades e dos governos locais. É por isso que desenvolvemos o Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares - LUPPA, em conjunto com ICLEI América do Sul e demais parceiros. Neste programa, representantes de diversas prefeituras e conselhos municipais do Brasil se unem para trabalhar na construção de uma agenda integrada de sistema alimentar para promoção de saúde, justiça e sustentabilidade em suas cidades. O alinhamento entre a agenda de sistemas alimentares do IDEC e a realização do LUPPA pode ser evidenciado pelo fato de o IDEC ser uma organização mentora do LUPPA, fornecendo capacitações, seminários, oficinas e conteúdo técnico às cidades participantes do LUPPA.
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