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Agroecologia e a transição para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis



Você sabe o que é a agroecologia e porque esta tem sido considerada uma importante ferramenta para a transição dos sistemas alimentares? A agroecologia em geral é compreendida como um tipo de agricultura, no Glossário LUPPA desenvolvido pelo Comida do Amanhã, consideramos a agricultura agroecológica como um tipo sustentável de agricultura que correlaciona as questões sociais, culturais, ambientais, políticas e éticas, constituindo não somente um tipo de produção de alimentos, mas um modo de vida onde são levados em conta os processos que ocorrem na natureza, mantendo o equilíbrio de seus ecossistemas naturais. Esta prática, que afasta a necessidade de uso de insumos químicos, sejam fertilizantes ou pesticidas, remonta ao período anterior à denominada Revolução Verde.


A agroecologia possui como parte intrínseca a agricultura agroecológica, no entanto, é mais ampla e completa, sendo compreendida enquanto uma forma de organização dos sistemas alimentares, que vai além de uma forma de produção sustentável de alimentos. O conceito da agroecologia nos revela uma infinidade de sentidos e significados, alguns autores defendem sua polissemia já que pode ser entendida enquanto ciência, prática e movimento social, mas também enquanto políticas públicas, educação e profissão. A agroecologia se materializa na prática, não podendo ser descolada de questões fundiárias, das questões do campo, da desconstrução do patriarcado e da quebra do colonialismo.  Assim,  agroecologia é em última instância um modo de vida, uma ideologia e a construção de uma utopia. 


Desta forma é possível compreender que a agroecologia tem como base os valores e técnicas agronômicas, mas é também constituída de pilares ecológicos, sociais, econômicos e culturais. Cabe ressaltar que esta prática possui em sua transversalidade um caráter político e tem em seu cerne a busca pela Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e a Justiça Social, Ambiental e Alimentar baseadas na economia solidária, no feminismo. na saúde coletiva, no direito à cidade e na comunicação e cultura. 


O ativista e pensador quilombola Antônio Bispo dos Santos, a quem reconhecemos seu legado em sua proposta contra colonialista, nos relembra e reforça a relevância das perspectivas dos povos originários e sua contribuição para a transição para sistemas alimentares. Em seu livro a terra dá, a terra quer comenta: 


“Nós inventamos a roça de quilombo, mas mudaram o nome e agora querem nos vender nossos saberes, nos oferecendo cursos de agroecologia e cursos de casa de taipa. Comemos raízes de macambira e raízes de umbu, entre muitas outras, e diziam que éramos selvagens porque comíamos raízes. Hoje, mudaram o nome das nossas raízes: chamam de “plantas alimentícias não convencionais”. O que chamam de tomate cereja, era um tomatinho azedinho muito gostoso que nascia em qualquer lugar por onde caminhávamos. Fazíamos arroz com vinagreira cuxá, que hoje chamam de hibisco. Inventaram o “alimento orgânico”. Ora, isso que se compra no supermercado com o selo de “orgânico” é um produto, às vezes sem veneno, mas não é algo orgânico. Não é produzido pelo saber orgânico, não é voltado para a vida. Se um quilo de carne orgânica é muito caro, o pobre não pode comprar; e se o pobre não pode comer, não é orgânico. Orgânico é aquilo que todas as vidas podem acessar. O que as vidas não podem acessar não é orgânico, é mercadoria – com ou sem veneno.”


No episódio Agroecologia não é mercadoria, do podcast Prato Cheio, Paulo Petersen comenta a importância de honrar o diálogo da agroecologia com a ancestralidade e com os conhecimentos tradicionais, mas também de reconhecer o debate com a ciência super avançada. Isso é importante para seguir na linha de que já se sabe que diversas populações tradicionais realizam práticas em confluência com a natureza há muito tempo, e que o movimento agroecológico precisa estar alinhado com esta perspectiva, para que os aspectos culturais e as tradições não sejam apagadas e para que a agroecologia não se torne mais um nicho de mercado. 


Mas o que isso tudo tem a ver com a transição para sistemas alimentares mais sustentáveis, saudáveis e justos?  


No contexto internacional, a FAO, assim como outros organismos e instituições tratam a agroecologia enquanto abordagem essencial para a transformação dos sistemas alimentares, evidenciada fortemente pela sua atuação e criação de um Hub em Agroecologia com a intenção de compartilhar e dar escala às práticas agroecológicas nos países membros da ONU. Uma publicação de destaque e base para atuação da FAO é a The 10 elements of agroecology guiding the transition to sustainable food and agricultural systems (“Os 10 elementos  da agroecologia que orientam a transição para alimentos e sistemas agrícolas sustentáveis sistemas agrícolas sustentáveis”). 


Foi durante a Cúpula da ONU sobre Sistemas Alimentares, ocorrida em 2021, que a Coalizão para a Agroecologia foi criada. Atualmente, os membros da coalizão distribuem-se por cerca de 50 países e comissões regionais, e mais de 110 organizações, incluindo organizações de agricultores, instituições de investigação, organizações de apoio a povos indígenas, agências da ONU, fundações filantrópicas e outras organizações da sociedade civil. A Coligação busca acelerar a transição dos sistemas alimentares por meio da agroecologia, especialmente no contexto das mudanças climáticas, por meio de três formas de atuação: i) Facilitação da cocriação e  intercâmbio de conhecimentos; ii) Promoção do aumento dos investimentos em agroecologia; Busca por engajamento político e maior compromisso com a transformação agroecológica. 


É também no contexto internacional e de crítica severa à maneira como os sistemas alimentares seguem sendo conduzidos mundialmente que o think tank IPES Food, um Painel Internacional de Especialistas em Sistemas Alimentares Sustentáveis, traz a agroecologia enquanto um de seus temas de abordagem para sua atuação orientada por novas formas de pensar sobre pesquisa, sustentabilidade e sistemas alimentares. Esta instituição tem em seu cerne a publicação de conteúdos profundos e de referência para se pensar sistemas alimentares, e assim como a FAO, apresenta um quadro/framework com princípios norteadores da agroecologia


Já no Brasil, as experiências agroecológicas seguem sendo base para se pensar alternativas saudáveis,sustentáveis, inclusivas e culturalmente integradas para as políticas alimentares locais. O ano de 2023 tem sido um momento crucial para a retomada das instâncias políticas da agroecologia - Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) e Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – Planapo - com chamada ampla para participação da sociedade civil. É neste contexto que foi realizado, entre os dias 20 e 23 de novembro de 2023 na cidade do Rio de Janeiro, o 12Congresso Brasileiro de Agroecologia, com o mote  “Agroecologia na Boca do Povo”. O evento contou com a presença de mais de 5 mil participantes, com pessoas vindas de todo o Brasil e de mais 20 países, com diversidade e representatividade de grupos como populações tradicionais, negras, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, agricultores, população LGBTQIA+ e muito mais. Ao longo dos quatro dias de congresso foram debatidos mais de 3000 trabalhos acadêmicos e relatos de experiências, realizadas palestras e mesas de debate, além de apresentações culturais. O Comida do Amanhã esteve presente em diversos debates ocorridos e também celebrando a potência dos encontros. 


Finalmente, gostaríamos de destacar que as cidades participantes do LUPPA - Laboratório Urbano de Políticas Alimentares nos apresentam diversos exemplos inspiradores no que concerne à temática da agroecologia, os quais podem ser encontrados com detalhes no Cadernos LUPPA 1ª Edição e no Cadernos LUPPA 2ª Edição.  Em Contagem, por exemplo, cidade localizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a agroecologia é elemento essencial para o planejamento de suas políticas alimentares, evidenciado pela assinatura da Prefeitura de uma carta de compromisso com a agroecologia. Já no município de  Anchieta, um município pequeno do interior de Santa Catarina, a agroecologia se materializa em diversas políticas e ações, a cidade é conhecida por ser a Capital Nacional da Produção de Sementes Crioulas e Capital Estadual do Milho Crioulo, com incentivo da produção da agricultura familiar de base agroecológica e ao uso e conservação das sementes crioulas. E, em Maricá, no Estado do Rio de Janeiro,  a agroecologia também faz parte da agenda municipal, com foco nas ruas arborizadas com frutíferas, os jardins comestíveis, praças agroecológicas,a fazenda pública e ações de desenvolvimento circular. 


A agroecologia é, portanto, importante vetor de mudança dos sistemas alimentares porque se propõe a  mudar as relações econômicas, sociais, ambientais e culturais dos sistemas alimentares hegemônicos vigentes. Somente será possível uma transformação real, efetiva e sistêmica quando a ciência estiver atrelada aos saberes tradicionais, quando as populações tradicionais tiverem suas práticas, culturas e conhecimentos reconhecidos e levados em consideração nas tomadas de decisões, e com uma economia de base circular e solidária. E este caminho, provavelmente não ocorrerá sem uma agroecologização das relações e dos sistemas. 


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