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Desigualdades nos sistemas alimentares: um recorte de raça e gênero

Atualizado: 5 de nov. de 2023




Julho é um mês especial para celebrar e refletir sobre as desigualdades de gênero e raça. O dia 03 de julho é considerado o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, em referência à aprovação da Lei nº 1.390, em 1951, considerada a primeira lei contra o racismo no Brasil. Além disso, em 2013, o Odara – Instituto da Mulher Negra, criou o chamado Julho das Pretas, uma ação de incidência política e agenda conjunta e propositiva com organizações e movimentos de mulheres negras do Brasil, voltada para o fortalecimento da ação política coletiva e autônoma das mulheres negras nas diversas esferas da sociedade que busca estimular políticas públicas de enfrentamento ao racismo, aos preconceitos e a todas as formas de violação de direitos, além de reafirmar o protagonismo e a participação das mulheres negras nos espaços políticos. Entre suas atividades, o Julho das Pretas visa celebrar o Dia Internacional da Mulher Negra Afro Latina Americana e Caribenha, no 25 de Julho. Todo ano o evento é caracterizado por temas relacionados à superação das desigualdades de gênero e raça.


No que concerne às questões de gênero, o cenário ainda se mostra desfavorável à redução das desigualdades: cerca de 9 (nove) em cada 10 (dez) pessoas em todo o mundo têm algum tipo de preconceito contra as mulheres, de acordo com relatório publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Apesar dos esforços, as desigualdades das mulheres que trabalham nos setores dos sistemas alimentares ainda são notórios, como evidenciado no relatório O Estado das Mulheres nos Sistemas Agroalimentares. Sem falar é claro na discriminação e violência contra a população LGBTQIAPN+, que em 2022 sofreu significativo crescimento com 35,2% a mais de agressões, 7,2% a mais de homicídios e 88,4% a mais de estupros.


As questões de gênero e raça aparecem muitas vezes de forma interconectadas. Neste contexto, foram divulgados dados detalhados sobre a insegurança alimentar e nutricional no Brasil levando em consideração os aspectos de raça/cor e de gênero no Suplemento II Insegurança Alimentar e desigualdades de raça/cor da pele e gênero do 2º Inquérito Nacional sobre insegurança alimentar no contexto da COVID-19 no Brasil - II VIGISAN, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), que reafirmam esta conexão entre gênero e raça e as desigualdades ainda persistentes.


Os dados divulgados reforçam que a fome tem cor e tem gênero, e que as pessoas com menor grau de escolaridade também estão entre as mais afetadas. Os resultados foram gerados a partir dos dados coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022, no âmbito do II VIGISAN, e expressam as relações entre as desigualdades e iniquidades de gênero (com base na categoria de sexo biológico) e raça/cor da pele (branca, preta e parda), com as condições de segurança alimentar e os níveis de insegurança alimentar. Estes resultados mostram que as famílias chefiadas por pessoas negras (pessoas autodeclaradas de cor parda ou preta) - independentemente do gênero, e por mulheres - independentemente da cor, são aquelas que mais convivem com a insegurança alimentar no Brasil, incluindo sua forma mais grave, a fome (Figura 1).


Figura 1: Percentual de domicílios, segundo condição de Segurança Alimentar (SA) e níveis de Insegurança Alimentar (IA), por raça/cor autodeclarada da pessoa de referência, Brasil. II VIGISAN – SA/IA e Covid-19, Brasil, 2021/2022. Fonte: Suplemento II Insegurança Alimentar e desigualdades de raça/cor da pele e gênero






A seguir apresentamos resultados mais significativos a partir da análise de gênero, da escolaridade e de emprego/renda.


Gênero: As famílias brasileiras chefiadas por mulheres negras, independentemente da escolaridade, são as mais vulneráveis à insegurança alimentar. Vale lembrar que apesar da relevância da sobreposição da análise entre raça/cor e gênero, as iniquidades que marcam as vidas das mulheres estão presentes independentemente da raça/cor. Ao observar os dados dos domicílios chefiados por mulheres e homens de raça/cor autodeclarada branca ou negra, foi notado que a situação é pior nos domicílios chefiados por mulheres.


Escolaridade: Quando o recorte de raça e gênero foi atrelado à escolaridade, mesmo que com maior escolaridade (8 ou mais anos de estudos), as famílias chefiadas por mulheres negras foram as mais vulneráveis às formas mais severas de insegurança alimentar (moderada + grave) (Figuras 2 e 3).


Figura 2: Percentual de domicílios, segundo condição de Segurança Alimentar (SA) e níveis de Insegurança Alimentar (IA), por escolaridade e raça/cor autodeclarada da pessoa de referência, Brasil. II VIGISAN – SA/IA e Covid-19, Brasil, 2021/2022. Fonte: Suplemento II Insegurança Alimentar e desigualdades de raça/cor da pele e gênero.


Figura 3: Percentual de domicílios, segundo condição de Segurança Alimentar (SA) e níveis de Insegurança Alimentar (IA), por escolaridade e sexo da pessoa de referência, Brasil. II VIGISAN – SA/IA e Covid-19, Brasil, 2021/2022. Fonte: Suplemento II Insegurança Alimentar e desigualdades de raça/cor da pele e gênero.





Emprego e renda: Foram analisadas as diferentes situações de emprego/trabalho (informal/desemprego, trabalho formal ou autônomo), e foi constatado que para todas as categorias analisadas, os domicílios chefiados por mulheres negras apresentaram mais frequência de insegurança alimentar moderada e grave, quando comparada àqueles com responsáveis homens brancos ou negros e mulheres brancas. Em domicílios chefiados por pessoas em situação de trabalho informal ou desemprego, as condições de insegurança alimentar moderada ou grave foram as mais prevalentes, quando comparadas com outras situações de trabalho (formal ou autônomo). No entanto, as famílias chefiadas por pessoas negras nestas situações de trabalho apresentavam prevalência mais elevada de insegurança alimentar moderada e grave quando comparadas com aquelas chefiadas por pessoas brancas na mesma condição (Figuras 4 e 5).


Figura 4: Percentual de domicílios, segundo condição de Segurança Alimentar (SA) e níveis de Insegurança Alimentar (IA), por situação de trabalho e raça/cor autodeclarada da pessoa de referência, Brasil. II VIGISAN – SA/IA e Covid-19, Brasil, 2021/2022. Fonte: Suplemento II Insegurança Alimentar e desigualdades de raça/cor da pele e gênero.



Figura 5: Percentual de domicílios, segundo condição de Segurança Alimentar (SA) e níveis de Insegurança Alimentar (IA), por situação de trabalho e sexo da pessoa de referência, Brasil. II VIGISAN – SA/IA e Covid-19, Brasil, 2021/2022.Fonte: Suplemento II Insegurança Alimentar e desigualdades de raça/cor da pele e gênero




O Suplemento traz em suas considerações finais a importância de priorizar e ampliar políticas públicas destinadas à redução das desigualdades sociais como forma de enfrentamento às desigualdades e iniquidades e suas relações com a segurança alimentar e nutricional. Exemplos são (1) aumentar o acesso à escolaridade, (2) garantir o acesso a empregos formais e (3) garantir remuneração digna e justa pelo trabalho.


Assim, finalizamos este texto com um alerta: ainda é preciso lidar com diferentes desigualdades e iniquidades dentro dos sistemas alimentares e no acesso a uma alimentação de qualidade. As análises interseccionais nos mostram que os desafios são múltiplos e abrangem diferentes aspectos e dimensões. Finalmente consideramos que o diagnóstico e os dados publicados pelo Suplemento aqui brevemente apresentados, são parte do caminho para enfrentar estes desafios e construir sistemas alimentares mais saudáveis e sustentáveis, auxiliando na orientação de políticas públicas mais bem construídas e focadas em públicos específicos.



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