O sistema atual de produção de alimentos vem sendo questionado já há algumas décadas, e o Brasil desponta como um dos maiores emissores de gases estufa do mundo, segundo relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima. Mudanças climáticas, desmatamento, aumento da população obesa e o retorno do Brasil em 2020 a índices alarmantes de insegurança alimentar trazem à tona a relevância da implementação de políticas públicas para dietas sustentáveis.
De acordo com o relatório produzido pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) intitulado, Sustainable Diets and Biodiversity: directions and solutions for policy, research and action dietas sustentáveis são aquelas com baixo impacto ambiental, que contribuem para a segurança alimentar e nutricional e para a vida saudável das gerações atuais e futuras. Dietas sustentáveis protegem e respeitam a biodiversidade e os ecossistemas, são culturalmente aceitas, acessíveis, economicamente justas, adequadas nutricionalmente, seguras e saudáveis; ao mesmo tempo que otimizam os recursos naturais e humanos.
Por isso, por dietas sustentáveis, entendemos refeições compostas por alimentos frescos e/ou minimamente processados de produção orgânica ou agroecológica, preferencialmente de origem local e/ou produzidos por comunidades tradicionais, bem como a redução do consumo de proteínas animais.
Segundo Lawrence et al. (2015), do ponto de vista ambiental, as dietas são compostas de combinações de alimentos cuja produção utiliza recursos naturais, que são finitos, e interferem nos sistemas biológicos naturais. Dietas que colocam demandas excessivas de recursos ambientais, estreitam a biodiversidade e/ou geram emissões desnecessárias de gases de efeito estufa podem comprometer os sistemas ambientais, e sistemas ambientais comprometidos, por sua vez, provocam uma disrupção que pode levar à diminuição da capacidade do planeta produzir alimentos de forma a atingir a segurança alimentar e nutricional da humanidade. Trata-se, portanto, de encontrar um ponto de equilíbrio entre o consumo de recursos naturais para produzir alimentos para o presente sem comprometer os direitos das gerações futuras.
Ou seja, as dietas sustentáveis são aquelas que propõem a conexão e a valorização dos aspectos da saúde humana e da sustentabilidade ambiental. O relatório da Comissão EAT Lancet (The Lancet, 2019) denomina este enfoque como “dieta planetária” e afirma ser necessário uma mudança urgente nos sistemas alimentares atuais para que tal ideal seja alcançado, considerando as especificidades de cada região. Garantir uma alimentação saudável sem que seja sustentável em todas as suas dimensões não é uma situação desejável.
Hoje, o sistema alimentar global não é sustentável e, em paralelo, o mundo enfrenta uma chamada “sindemia global da obesidade, desnutrição e mudanças climáticas”. A compreensão de sistemas alimentares ainda está diretamente ligada à agrobiodiversidade de onde vivemos, incluindo os ecossistemas, produtores de alimentos, áreas nativas, e o conhecimento ancestral de povos originários.
Além disso, o entendimento de sistemas alimentares sustentáveis tem como base o reconhecimento de que o direito à alimentação é um direito humano fundamental e inseparável da justiça social. O direito humano à alimentação adequada (DHAA) está contemplado no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Sua definição foi ampliada em outros dispositivos do direito internacional, como o artigo 11 do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Comentário Geral nº 12 da ONU.
No Brasil, a alimentação passou a ser considerada um direito no artigo 6º da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 64 de 2010, com a seguinte definição: “O direito humano à alimentação adequada (DHAA) consiste no acesso físico e econômico de todas as pessoas aos alimentos e aos recursos, como emprego ou terra, para garantir esse acesso de modo contínuo”. Porém, na prática, a realização deste direito ainda não é garantido e é um desafio a ser enfrentado pelo Poder Público.
No caso de políticas públicas para dietas sustentáveis, aqui estamos tratando de diversas formas de incentivo em diferentes esferas e que levam em conta diferentes aspectos de todo o sistema alimentar e da alimentação, e não somente foco nas questões agrárias ou nutrição. Incluímos nesta abordagem a compra institucional de alimentos para alimentação escolar oriundos de hortas urbanas comunitárias ou de arranjos da sociobiodiversidade local, por exemplo; o favorecimento do consumo através da articulação de espaços adequados para a distribuição e comercialização de produtos agroecológicos bem como o plantio de árvores frutíferas e vegetação nativa em áreas públicas, formando chamados pomares e viveiros urbanos.
O acesso a dietas sustentáveis a partir de sistemas alimentares sustentáveis e socialmente justos é uma transformação necessária, e para isso precisamos enaltecer políticas públicas que visam melhorar essa questão. Neste artigo, iremos destacar algumas dessas iniciativas, que são apenas umas dentre diversas boas experiências que estão acontecendo.
Iniciamos com a referência a duas ações internacionais que incentivam e apoiam políticas para dietas sustentáveis:
O Pacto de Milão sobre Política de Alimentação Urbana, lançado em 2015, que é um acordo internacional entre cidades de todo o mundo, comprometidas em desenvolver sistemas alimentares sustentáveis que sejam inclusivos, resilientes, seguros e diversos. Seu principal objetivo é apoiar as cidades que desejam desenvolver sistemas alimentares urbanos mais sustentáveis, promovendo a cooperação entre cidades e o intercâmbio de melhores práticas. Conta atualmente com 217 cidades signatárias, sendo 7 delas no Brasil, a saber: São Paulo, Araraquara, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife.
Já a Rede ICLEI-RUAF CITYFOOD visa acelerar a ação dos governos locais e regionais, no Norte e Sul global, em sistemas alimentares cidade-região sustentáveis e resilientes, combinando rede com treinamento, orientação política e experiência técnica para seus participantes. A Rede está aberta a governos locais e regionais, estejam eles envolvidos com a questão das políticas alimentares pela primeira vez ou trabalhando para implementar o Pacto de Milão sobre Política de Alimentação Urbana.
No Brasil, no âmbito federal, referimos dois programas bastante estruturados, apesar da redução de seus respectivos orçamentos, e importantes quando falamos em políticas públicas: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA*) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). O PAA possui duas finalidades básicas: promover o acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar, enquanto que o PNAE oferece alimentação escolar e ações de educação alimentar e nutricional a estudantes de todas as etapas da educação básica pública. Ou seja, estes dois programas se complementam e conseguem articular diversas demandas e ofertas dentro do sistema alimentar.
Redução de impostos de produtos saudáveis e aumento da carga tributária de alimentos ultraprocessados são também exemplos de políticas públicas que visam a promoção de dietas sustentáveis. A taxação de refrigerantes e outras bebidas açucaradas é considerada uma medida de baixo custo e grande impacto na saúde pública. A chamada “sugar tax” é discutida no Brasil há alguns anos, mas já é realidade no México desde 2013. Dados apontam que o preço ao consumidor final subiu aproximadamente 10% e o consumo caiu cerca de 7% entre 2013 e 2018. Alguns estados dos Estados Unidos da América e diversos países da Europa possuem políticas similares nessa questão.
Exemplos locais no Brasil incluem Santarém, no Pará. O sistema de aquisição e distribuição de merenda escolar da rede municipal da cidade teve início em 2010 através do PNAE. Em 2020, produtos orgânicos também passaram a ser contemplados no programa.
A Rede Cantinas da Terra do Meio, no Xingu, alimenta a periferia de Altamira, também no estado do Pará. A Rede é composta por diversas associações de moradores de reservas extrativistas. Seu objetivo é, através do PAA, distribuir alimentos produzidos com técnicas ancestrais em meio à floresta amazônica.
Em Jales, no Estado de São Paulo, a prefeitura iniciou em janeiro de 2021 o projeto Colhendo Frutos, que irá levar o plantio de árvores frutíferas para as praças da cidade, favorecendo a conexão dos cidadãos com a natureza.
Iniciativa semelhante foi recentemente lançada em Caçapava do Sul, no Rio Grande do Sul. Variedades de plantas frutíferas e nativas, como Pitangueira, Ipê Roxo e Araçá começaram a ser plantadas em parques da cidade no início da primavera deste ano.
A escassez hídrica também é alvo de políticas públicas. Iniciado em 2017 e oficialmente implementado em 2020 pela prefeitura de Anápolis, em Goiás, há o Programa Pró-Água, cujo objetivo é equilibrar o ciclo hídrico do município através da recuperação de nascentes e áreas de proteção permanente, ações essas realizadas em parcerias com empresas, instituições de ensino e proprietários rurais. Também foi implementada uma compostagem municipal, jardins sazonais, pomares urbanos e sistemas de captação de água da chuva para reabastecimento do lençol freático. Ainda, a agenda inclui projetos de segurança alimentar e educação ambiental para a redução do risco de queimadas nas estações de seca.
Arranjos próprios de cada contexto sócio-espacial são possíveis, e sua coexistência com os canais tradicionais de escoamento da produção de alimentos faz parte de uma longa e justa transição para dietas e sistemas alimentares sustentáveis.
O LUPPA – Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares, projeto do Comida do Amanhã em parceria com o ICLEI América do Sul, dedica-se a auxiliar a construção de políticas públicas alimentares municipais integradas, participativas e com abordagem sistêmica. Valorizar iniciativas e disseminar informações relevantes nesse processo é um dos objetivos do LUPPA. Acompanhe as discussões do LUPPA no canal do Youtube do Instituto Comida do Amanhã e no site luppa.comidadoamanha.org
* O PAA, Programa de Aquisição de Alimentos, foi substituído em Dezembro de 2021 pelo Programa Alimenta Brasil.
Fontes:
FAO. Nossas ações representam o futuro. 2019. Disponível em: https://www.fao.org/3/ca5268pt/CA5268PT.pdf
Sánchez-Romero, L.M. et al. Association between tax on sugar sweetened beverages and soft drink consumption in adults in Mexico: open cohort longitudinal analysis of Health Workers Cohort Study. BMJ, 369, 2020. Disponível em: https://www.bmj.com/content/369/bmj.m1311
EAT LANCET. Dietas saudáveis a partir de sistemas alimentares saudáveis. 2019. Disponível em: https://eatforum.org/content/uploads/2019/04/EAT-Lancet_Commission_Summary_Report_Portugese.pdf
Lawrence, M. A. et al. Formulating policy activities to promote healthy and sustainable diets. Public Health Nutrition. 2015.
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