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Relatório do SOFI 2024: novos desafios e alternativas para a superação da fome até 2030




O lançamento anual do relatório internacional do SOFI é um dos eventos mais aguardados pelas organizações e setores que se movem em torno da agenda alimentar e do combate à fome. Produzido pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), em conjunto com outras agências da ONU ( Organização das Nações Unidas) como IFAD (Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola), UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), WFP (Programa Mundial de Alimentos) e OMS (Organização Mundial de Saúde), esta publicação é feita desde o ano de 1999. Neste relatório são apresentados dados sobre a insegurança alimentar e nutricional mundial, resultante de pesquisas realizadas nos mais diversos continentes e países, e que se desdobram em relatórios regionais. O SOFI também aponta estratégias atualizadas e diversificadas de combate à fome e à desnutrição.

Neste ano de 2024, o SOFI foi lançado no Brasil em 24 de julho, na cidade do Rio de Janeiro, durante o pré-lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, uma iniciativa da presidência brasileira no G20 e que busca funcionar como um mecanismo prático para mobilizar recursos financeiros e conhecimento de onde são mais abundantes e canalizá-los para onde são mais necessários, apoiando a implementação e a ampliação da escala de ações, políticas e programas no nível nacional. Diferente dos anos anteriores, em que o lançamento ocorre sempre na sede da FAO ou na sede da ONU, esta vez o relatório SOFI foi lançado no Brasil, o que demonstra a importância e a relevância da atuação da presidência brasileira do G20 para a agenda alimentar, e a referência internacional do nosso país em relação ao tema do combate à fome, à pobreza e a todas as formas de má nutrição.


Inovações trazidas pelo SOFI


Faltando somente seis anos para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, os indicadores apresentados demonstram que as metas globais de nutrição e de segurança alimentar ainda estão muito distantes de serem atingidas. Desde 2014, a FAO lança mão de uma metodologia para a coleta de dados com a utilização de dois indicadores: o PoU, acrônimo para “Prevalence of Undernourishment”, que pode ser traduzido para “Prevalência da Sub-nutrição”, e o FIES - “Food Insecurity Experience Scale”, traduzido como “Escala de Insegurança Alimentar”. Em 2021, introduziu o uso do Questionário de Qualidade da Dieta (DDQ, por sua sigla em inglês). Este questionário possibilitou um avanço na coleta de dados, cruzando as informações sobre a insegurança alimentar com as das propriedades de uma dieta saudável, fazendo uma comparação entre os países.

De acordo com os dados do relatório 2024, o acesso a alimentos nutritivos, seguros e suficientes é uma realidade distante para bilhões de pessoas. O relatório trouxe dados graves e surpreendentes sobre a obesidade na América Latina e no Brasil, cujos índices ultrapassam os dos Estados Unidos e da Europa. A constatação de que a desnutrição mundial caminha alinhada com a alta ingestão de alimentos ultraprocessados e dificuldade de acesso aos alimentos saudáveis e naturais, também foi um dos dados apresentados. Esta informação desvela uma lacuna entre os indicadores utilizados para monitorar a implementação da Agenda 2030 pelos países, pois inexiste um indicador que sirva para medir a qualidade das dietas na estrutura dos ODS e para identificar os índices de monotonia alimentar. Dialogando com esta constatação, um grupo de Estados-membros (entre eles, o Brasil) sugeriu que o ODS 2 incorpore o indicador de “Prevalência de Diversidade Alimentar Mínima” na próxima revisão abrangente da Agenda 2030, prevista para acontecer em 2025.


O tema central trazido no título do relatório deste ano - Financiamento para acabar com a fome, a insegurança alimentar e todas as formas de desnutrição -  aponta para o importante papel e responsabilidade dos estados em financiar e dar acesso a políticas públicas estruturantes e contínuas que consigam garantir o direito humano à alimentação, sanando a insegurança alimentar e nutricional, principalmente os seus índices mais graves. A garantia de financiamento público e de legislações específicas direcionados a este objetivo diz respeito não somente ao montante deste aporte, mas também à necessidade de não conceder financiamentos, subsídios ou isenções fiscais para atividades que prejudicam a efetividade e alcance das políticas públicas alimentares e os avanços recomendados na Agenda 2030. Coerência nas ações governamentais - ou minimamente evitar as incoerências que usualmente se observam - é uma importante recomendação do SOFI.


É o caso, por exemplo, dos subsídios concedidos aos agrotóxicos e alimentos ultraprocessados. Embora haja um consenso sobre a importância e urgência do financiamento público voltado para a segurança alimentar e nutricional, inexiste um consenso sobre como o  financiamento deste tipo de produto deve ser definido e monitorado. O relatório traz recomendações de financiamento para a segurança alimentar e nutricional, com orientações para sua implementação, utilizando ferramentas inovadoras e reformas no escopo destes financiamentos.


Experiências do Comida do Amanhã em diálogo com as recomendações do SOFI


As metas a serem alcançadas na Agenda 2030 para a superação da insegurança alimentar e nutricional ainda são muito desafiadoras, mas o progresso nos indicadores em muitos países traz esperança na possibilidade de voltar ao caminho da erradicação da fome e da desnutrição. As inovações trazidas pelo relatório de 2024 apontam alguns destes desafios e trazem indicativos de quais alavancas poderiam ser utilizadas para superá-los, ajudando a identificar quais delas já estão sendo desenvolvidas. O Relatório trabalha a noção de "Ações de Duplo Dever para endereçar a dupla carga da má nutrição", que são ações para simultaneamente endereçar a desnutrição, o sobrepeso e obesidade a partir de fatores que são comuns a todos esses desafios.


Dentre as sugestões descritas no relatório estão: apoio à agricultura urbana e periurbana com produção de alimentos saudáveis, alimentação escolar saudável e diversificada com cultivo de hortas escolares e regulamentação que restrinja o acesso a alimentos açucarados e ultraprocessados, atenção nutricional nos programas de proteção social por meio de subsídios e/ou vales-alimentação, entre outros. Destaca-se, para a efetivação destas sugestões, o papel do poder público em todos os âmbitos, principalmente nos municípios, para o financiamento destas políticas

Identificamos, dentre as alavancas e recomendações apontadas pelo SOFI, algumas que têm sido objeto do trabalho realizado pelo Instituto Comida do Amanhã e por vários dos nossos parceiros. A experiência acumulada no Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares (LUPPA), por meio da construção do conhecimento e da cooperação entre as cidades, demonstra que os pilares sobre os quais nos apoiamos estão em sintonia com as preocupações e soluções apontadas. Eixos que vão desde medidas emergenciais para sanar a insegurança alimentar e nutricional grave com doações de alimentos e transferência de renda, passando por orientações para a consolidação de marcos legais e governança municipal; políticas de alimentação escolar saudável e diversificada, com marco regulatório para restrições ao uso de açúcares, ultraprocessados, comercialização de produtos prejudiciais à saúde nas escolas, equipamentos públicos alimentares e parcerias para o financiamento destas políticas.


Perspectivas até 2030


As limitações no cenário de insegurança alimentar e nutricional, e a persistência da desigualdade socioeconômica no acesso a dietas saudáveis, aprofundam as incertezas quanto a alcançar índices de fome zero até 2030. Para isso, será necessária uma transformação dos sistemas agroalimentares, combatendo as desigualdades como forma de garantir dietas saudáveis, disponíveis, acessíveis e sustentáveis para todas as pessoas. Acreditamos que os sistemas alimentares urbanos são grandes impulsionadores das melhores alternativas, a curto e médio prazo, para atingir os ODS em seis anos, com destaque para os que objetivam acabar com a fome no mundo.



1É um indicador indireto da fome e bastante complexo, que considera uma série de variáveis e dados nacionais, calculados considerando um período de 3 anos e que mede a estimativa de pessoas que não conseguem se alimentar adequadamente.  
2Trata-se de uma medida baseada na percepção da insegurança alimentar familiar ou individual, permitindo recortes de insegurança alimentar grave e moderada




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